A série Parque do Ingá 50 anos: Preservar hoje para comemorar sempre tem como proposta apresentar informações relacionadas ao histórico e os desafios para o futuro dessa Unidade de Conservação que no ano do seu cinquentenário (2021) enfrenta grave problema de seca dos seus lagos.
Os primeiros quatro episódios desta série compõem a descrição dos relatos feitos pelos palestrantes convidados para Reunião Pública: “Os lagos do Parque do Ingá estão secando. O que fazer?”. O evento em questão foi realizado no dia 29 de setembro de 2021, no Plenário da Câmara de Vereadores de Maringá, reunindo representantes do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente - COMDEMA, Comissão de Direito Ambiental da OAB Maringá, Sanepar e Secretaria de Meio Ambiente e Bem-Estar Animal de Maringá. A comunidade presente também participou com perguntas e considerações que enriqueceram o debate sobre a temática.
O material será apresentado em episódios para destacar as contribuições de cada especialista. Neste segundo episódio intitulado O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado? o relato é de Marcos Bento Veshagem -
Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB Maringá; Representante do
Conselho Municipal do Meio Ambiente - COMDEMA
Episódio 2: O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado?
"Diante de todas as questões relevantes que foram trazidas
aqui hoje, o meu objetivo será analisar - do ponto de vista técnico-jurídico - a
possibilidade de tramitação do Projeto de Lei Complementar n. 2057/2021, que
tem como objetivo principal a proibição da instalação de poços tubulares
profundos na área compreendida como "Zona de Amortecimento" da Unidade
de Conservação Municipal Parque do Ingá.
Esta é uma reflexão específica com relação a esse PLC, mas, certamente,
poderá influenciar outros instrumentos jurídicos, até mesmo o Plano Diretor, que
está sob revisão.
Para iniciar, apresento o teor do Parecer Jurídico da PROJUR
em relação ao PLC, pois, não sei se é do conhecimento de todos, mas, pelo menos
em um primeiro momento, o referido projeto de lei foi considerado inconstitucional.
O primeiro fundamento utilizado seria a questão de ausência
de “interesse local”. O segundo, que também gostaria de trazer, seria com
relação à competência legislativa. Assim, o parecer da Casa foi no sentido de
que, em um juízo de legalidade, o PLC seria inconstitucional.
Na sequência a gente pode abordar de uma forma um pouco mais
profunda esses pontos, mas, a ideia é de que o Município não teria competência
para legislar sobre recursos hídricos, já que a matéria seria de competência
privativa da União, e também se afirmou que as águas superficiais e
subterrâneas são bens da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Não estou contestando de forma alguma essa parte específica
do parecer da PROJUR da Casa, mas, acredito que nossa reflexão possa ir além
dessa constatação de que não caberia ao Município instituir novas regras acerca
da captação e extração de águas sob pena de interferir na atividade
administrativa de outros entes federados.
Então eu trago essa tese fixada pelo STF para esclarecer
alguns pontos aqui.
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Marcos Bento Veshagem é membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB Maringá e do COMDEMA |
A matéria é bastante controversa, existem vários posicionamentos
doutrinários e jurisprudenciais, mas, o STF afim de regulamentar a questão,
dando interpretação para que seria o “interesse local”, fixou uma tese no
sentido de que:
Tese 145: O município é competente para legislar sobre
o meio ambiente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e
desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos
demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição Federal).
E o que isso significa? Significa que eu respeitosamente
discordo do vício de constitucionalidade apontado pela PROJUR, porque o que a
gente tem que compreender/verificar, dentro do ordenamento jurídico, é se a
norma que está sendo feita aqui em Maringá está adequada às demais questões que
foram regulamentadas no nível estadual e federal.
E, no caso específico, o PLC trata especificamente da
implementação do Plano de Manejo de uma unidade de conservação, que é o Parque
do Ingá.
Em continuidade, quando a gente fala de competência, sem aprofundar
de forma técnica, temos a competência material e a competência legislativa.
Sobre a competência
material, a questão foi muito bem abordada no parecer emitido pelo COMDEMA
e encaminhado à Câmara, sobre o PLC 2057/2021, que destaca a existência da
Resolução n. 110/2021 do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEMA, não deixando
dúvidas de que o município poderia sim licenciar, monitorar e fiscalizar a
perfuração de poços tubulares.
Com relação à competência
legislativa, que seria o objeto da nossa reflexão, quero ressaltar que
dentro daquela ideia, ou melhor, daquele conceito de “interesse local” e interpretação
da tese do STF, a regulamentação trazida pelo PLC está em consonância com nosso
ordenamento jurídico, estando prevista na Constituição da República (art. 225,
§1º, III), na Lei Federal n. 9.985/2000 (art. 27) e em Leis Municipais (Lei Orgânica
do Município de Maringá; Lei Complementar 1.093/2017; Lei Ordinária 11.198/2020).
Analisando a Constituição da República, temos o art. 225, que
fixa em um dos seus incisos que incumbe ao poder público criar unidades de
conservação:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Regulamentando este aspecto no campo infraconstitucional, temos
a Lei Federal n. 9.985/2000, que estabelece, fixa e regulamenta os sistemas
nacionais das unidades de conservação, dispondo em seu art. 27 que:
Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um
Plano de Manejo. [...] § 1º O Plano de
Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de
amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de
promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.
Questiona-se: o que estamos dizendo aqui? Pois bem, o legislador
quando colocou esse ponto verificou a possibilidade da unidade de conservação eventualmente
ser criada em um espaço que já estava habitado.
E como fazer adequação da unidade de conservação dentro do
espaço já habitado? Criando a Zona de Amortecimento, exatamente para evitar que
a unidade de conservação seja destruída ou que tenha algum dano ambiental.
Temos ainda regulamentação no âmbito estadual, podendo ser
citados: Portaria IAP nº 263/1998, Portaria IAP nº 11/2012 e Portaria IAP nº
232/1998 (CADASTRO ESTADUAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E ÁREAS
ESPECIALMENTE PROTEGIDAS – CEUC).
Por sua vez, no âmbito municipal, temos a Lei Orgânica do
Município de Maringá; a Lei Complementar 1.093/2017; e a Lei Ordinária 11.198/2020,
que cria a unidade de conservação do Parque do Ingá e inclui a necessidade criação
do Plano de Manejo e da Zona de Amortecimento, documentos que precisam ser
produzidos com participação da SEMA e COMDEMA.
Destaco o contido no art. 13 da Lei Complementar 1.093/2017:
Art. 13. O Poder
Executivo criará, administrará e implantará unidades de conservação,
visando a efetiva proteção da biodiversidade natural, especialmente as
associações vegetais relevantes e remanescentes das formações florísticas
originais, a perpetuação e disseminação da população faunística, manutenção de
paisagens notáveis e outras de interesse cultural, ouvida a SEMA e o COMDEMA.
Parágrafo único. As áreas especialmente
protegidas são consideradas patrimônio cultural, destinadas à proteção do
ecossistema, à educação ambiental, à pesquisa científica e à recreação.
Então, por que eu trouxe todas essas leis? Para tentar dizer
que aquela análise que foi feita em um primeiro momento pela Casa (sobre o PLC)
e que trata somente da redação literal das competências materiais e
legislativas dos entes federados, deixa de observar que existe na própria
Constituição um tópico específico sobre as unidades de conservação.
E é sobre isso que o município eventualmente estaria
legislando neste e em outros projetos.
Assim, no meu entendimento – e também das entidades que
represento – o PLC não seria inconstitucional. Caso remanesça alguma dúvida,
sem prejuízo, a gente pode buscar apoio das entidades como a OAB, o Ministério
Público, o COMDEMA e assim viabilizar um parecer técnico conjunto que possa dar
segurança para a eventual tramitação do projeto de lei, ou seja, que essa
questão da competência legislativa não seja um impeditivo.
Caminhando para uma parte final, salienta-se que o parecer do
COMDEMA encaminhado para Câmara destaca a importância da Zona de Amortecimento
prevista na Lei Federal n.º 9.985/200, o qual, de acordo com o Plano de Manejo,
teria um raio de 200 metros:
“Merece também ser destacado que o Plano de Manejo do
Parque do Ingá, definiu no item 15.2 (fls. 382 da redação final) que zona de
amortecimento é ‘entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades
humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de
minimizar impactos negativos sobre a unidade’, descrevendo-a como um ‘Raio de 200m
a contar do limite do cercamento do parque’”.
O mesmo parecer frisa que o Plano de Manejo ao citar:
“Os projetos de edifícios e demais obras, tanto de
obras em andamento quanto edificações prontas, devem desconsiderar o uso de água de poços artesianos profundos”.
Diante de tudo isso, eu acredito que tenha ficado claro o
posicionamento e a reflexão que gostaria de trazer, qual seja, de que não podemos
simplesmente dizer que o Município não pode legislar sobre águas e encerrar a
discussão.
Precisamos implementar o Plano de Manejo e existem fundamentos
jurídicos que embasam a legitimidade e competência municipal para fazê-lo. Nós
precisamos ir além. Precisamos ser claros e entender que o que realmente está
em análise aqui, no meu entendimento, é o conflito entre dois direitos
fundamentais.
De um lado, temos o direito fundamental da propriedade e, do
outro, temos o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Então, precisamos de dados técnicos para fundamentar esta
questão, para encontrar soluções/alternativas, e diante do que prevê a
legislação ambiental, entre o efetivo dano ambiental, muitas vezes irreparável,
convido a todos os parlamentares e interessados presentes à reflexão, para que
seja aplicado o princípio da precaução, ou seja, para que optem pela PRECAUÇÃO.
A gente não pode esquecer que Maringá é uma excelente cidade,
reconhecida nacional e internacionalmente exatamente porque sempre teve uma
ampla participação da sociedade civil.
Os lagos do Parque do Ingá estão secando e precisamos
encontrar uma solução, este é o fato concreto.
Como diria o jurista francês Georges Ripert, “quando o Direito ignora a realidade, a
realidade se vinga ignorando o Direito” e que eu quero dizer com isso, é
que não podemos ignorar os fatos sociais e que, se nós queremos que Maringá
caminhe para sustentabilidade, garantindo uma qualidade de vida para a geração
presente e para as gerações futuras, há necessidade do Município atuar e a
Câmara legislar, dando concretude a todos esses elementos".
👉Observação: O texto apresentado se refere a descrição da fala do referido palestrante durante a Reunião Pública: "Os lagos do Parque do Ingá estão secando. O que fazer?" Algumas adaptações foram necessárias, sem alterar o conteúdo da fala. Todo material foi submetido a autorização e aprovação pelos seus autores. O evento na íntegra pode ser conferido no Canal do YouTube da TV Câmara de Maringá https://youtu.be/0z2ZLtprW3A .